Clínicas Médicas e Responsabilidade Solidária: Por Que Você Pode Pagar por Problemas Que Não Criou

Sabe aquela sensação de ter feito tudo direitinho no seu atendimento? Você seguiu todos os passos, cuidou do paciente com atenção, fez sua parte. Mas daí um colega da clínica onde você trabalha comete um erro sério. E de repente você descobre que vai ter que pagar também. Soa estranho? Pois esse tipo de situação tem um nome técnico: responsabilidade solidária. E ela pode custar caro se você não souber como funciona.

Entendendo o Básico: O Que Significa Responsabilidade Solidária

Vamos direto ao ponto. Responsabilidade solidária acontece quando qualquer pessoa de um grupo pode ser cobrada pelo problema todo, independente de quem causou. É tipo quando você divide a conta do restaurante e um amigo não paga — o garçom pode cobrar de qualquer um que ficou na mesa. Nas clínicas médicas funciona parecido: se você é sócio, qualquer erro de qualquer parceiro pode bater na sua porta.

Gabriel Borduchi, especialista da Borduchi Seguros que trabalha com proteção para médicos, conta que “muitos profissionais da saúde perdem dinheiro porque não entendem esse risco — médicos excelentes acabam respondendo financeiramente por falhas que nem sabiam que estavam acontecendo”. Nosso Código Civil é claro sobre isso: quando existe ligação formal ou prática entre profissionais, a cobrança pode cair em cima de todos, especialmente se ninguém conseguir provar exatamente quem errou ou se o problema envolveu a estrutura da clínica.

Três Situações Onde Você Entra na Conta

Primeira situação: você é sócio oficial da clínica. Nesse caso, responde por absolutamente tudo que acontece lá dentro, mesmo nos dias em que não estava trabalhando. Segunda situação: erros da equipe compartilhada. Aquela auxiliar de enfermagem ou o técnico que todos usam? Se ele errar, pode respingar em todo mundo. Terceira situação: problemas de estrutura. Um aparelho que falha, sala mal higienizada ou falta de protocolo claro distribuem a culpa entre quem gerencia o lugar.

Os juízes no Brasil não costumam ter pena nessas histórias. Existem decisões condenando médicos sócios mesmo quando fica provado que eles nem participaram do atendimento problemático. O raciocínio é simples: dividiu a gestão do negócio? Então divide o prejuízo também. Isso vale pra qualquer tipo de sociedade médica.

Exemplos Práticos: Quando a Conta Chega

Vou te dar um exemplo real. Um ortopedista é sócio numa clínica grande, com várias especialidades. Lá também trabalha um ginecologista. Esse ginecologista faz uma cirurgia complicada que dá errado. O paciente processa a clínica. Resultado? Todos os sócios podem ser obrigados a pagar, incluindo o ortopedista que nem estava no hospital naquele dia. E tem mais: o juiz pode penhorar os bens de qualquer sócio, sem se preocupar com percentual de cotas.

Outro exemplo comum: infecções. Digamos que você é dermatologista e atende numa clínica onde também funciona um centro cirúrgico. Outro médico opera lá e o paciente pega uma infecção grave. Se for comprovado que a clínica não seguiu os protocolos de limpeza, você pode entrar na lista de responsáveis mesmo sem ter feito a cirurgia. A falha foi da estrutura? Então todos os sócios pagam.

Atenção: Não Precisa Ter Sociedade Formal

Aqui vem uma pegadinha: mesmo sem contrato de sociedade, você pode ser considerado responsável. Se você e outros médicos atendem usando o mesmo nome, dividem secretária, usam o mesmo sistema de prontuários ou qualquer coisa que dê a entender que vocês trabalham juntos, um juiz pode decidir que existe vínculo suficiente. Aquele combinado informal ou “acordo entre amigos” não vale nada na justiça. O que importa é como as coisas funcionam no dia a dia e como o paciente enxerga.


Box de Destaque: Três Erros Que Colocam Seu Patrimônio em Risco

  • Contrato social vago: Se o documento que formalizou a sociedade não deixa claro quem faz o quê e quais são os limites de cada um, você fica vulnerável a responder por tudo
  • Equipe sem definição de responsabilidade: Dividir funcionários (enfermeiros, anestesistas, técnicos) sem documento que defina quem responde por cada profissional cria um problema jurídico enorme
  • Ignorar sinais de perigo: Sabe que tem equipamento precisando de manutenção, protocolo furado ou higienização mal feita? Se você não agir, passa a ser corresponsável pelos danos

Protegendo Seu Dinheiro: O Que Fazer

O primeiro passo é arrumar a casa no papel. O contrato social da clínica precisa deixar bem explícito o que cada sócio faz, quais são as regras de qualidade que todo mundo precisa seguir e como funciona a saída de alguém da sociedade. Advogados que trabalham com médicos recomendam atualizar esse documento pelo menos a cada dois anos, ou sempre que tiver mudança de sócios, pra acompanhar como os tribunais estão julgando esses casos.

Documentar é sua segunda defesa. Cada médico precisa ter seu próprio prontuário dos pacientes, tudo assinado, datado e com registro de quem participou do atendimento. Guarde também atas de reuniões sobre procedimentos, e-mails onde você alertou sobre algum problema e relatórios de manutenção dos equipamentos. Esses documentos podem provar que você fez tudo certo e ajudar a diminuir ou até eliminar sua responsabilidade se aparecer um processo.

Por Que Seguro de Responsabilidade Civil é Essencial

Ter um Seguro de Responsabilidade Civil Profissional deveria ser obrigatório, mas tem um detalhe importante: a maioria das apólices só cobre erros que você mesmo cometeu. Pra se proteger da responsabilidade solidária, você precisa de uma cobertura específica pra pessoa jurídica ou uma extensão que cubra também o que outros profissionais fazem dentro da clínica. Já vi muitos médicos descobrirem na hora do aperto que o seguro individual não serve pra nada quando o problema é de um sócio.

Na hora de contratar proteção pra clínica, pergunte se cobre erros da equipe de apoio, problemas de estrutura e defeitos nas instalações. O valor segurado não pode considerar só a média de indenizações da sua especialidade — tem que levar em conta o risco de vários profissionais trabalhando sob o mesmo CNPJ. Corretoras que entendem de seguro médico conseguem criar apólices feitas sob medida, evitando aqueles buracos na cobertura que só aparecem quando você mais precisa.

Táticas Mais Avançadas Para Quem Trabalha em Clínicas Compartilhadas

Uma estratégia que médicos com mais patrimônio usam é a holding patrimonial. Basicamente, você cria uma empresa só pra colocar seus bens dentro — apartamentos, investimentos, carros. Quando esses bens estão na holding, fica bem mais difícil um juiz usar eles pra pagar dívidas da clínica médica. Mas atenção: isso precisa ser planejado direitinho com contador e advogado, e tem que fazer antes de qualquer processo aparecer. Se você transferir os bens depois que já tá sendo processado, vira crime.

Outra tática inteligente é separar as atividades por risco. Se sua clínica faz cirurgias e também consultas simples, pode valer a pena ter duas empresas diferentes. Assim, se acontecer algo grave na parte cirúrgica, o patrimônio da empresa de consultas fica protegido. Mas não pode ser só no papel — tem que ser separação real mesmo, com CNPJs diferentes, funcionários distintos e gestão independente. Juiz reconhece essas manobras de longe.

Cláusulas Importantes no Contrato Social

Algumas cláusulas contratuais fazem diferença na hora do aperto. Coloque uma regra que permite sócios saírem rapidamente se discordarem das práticas dos outros. Estabeleça que decisões importantes (investimentos grandes, contratações estratégicas, mudanças de protocolo) precisam de aprovação de maioria qualificada, não só maioria simples. Assim nenhum sócio consegue fazer bobagem sozinho e comprometer os demais.

Outra cláusula útil: crie um fundo de reserva obrigatório pra cobrir possíveis indenizações. Isso diminui a chance de precisarem mexer nos bens pessoais de alguém. E deixe escrito que todo sócio é obrigado a ter seu próprio seguro individual, além do seguro corporativo da clínica. Essas exigências no contrato mostram pro juiz que a sociedade leva a sério a gestão de riscos, e isso pode ajudar na hora de dividir responsabilidades.

Quando Pedir Ajuda Profissional

Existem situações que pedem socorro imediato de especialistas. Se você recebeu uma notificação judicial ou extrajudicial envolvendo a clínica, corre. Se descobriu que um sócio fez algo grave ou desrespeitou protocolos sérios, também. Se vai entrar ou sair alguém da sociedade, é hora de revisar tudo. E se mudou alguma lei que mexe com responsabilidade de médicos, vale uma consulta. Os profissionais pra essas horas são advogados especializados em direito médico e corretores que entendem de seguro pra profissionais da saúde.

Revisar sua estrutura societária e seus seguros todo ano não é exagero — é ter bom senso. Médicos que tratam esses assuntos com a mesma seriedade que tratam educação continuada reduzem drasticamente o risco de levar um susto financeiro. Começa dando uma olhada no contrato social da clínica, verifica se seu seguro realmente te protege contra responsabilidade solidária e capricha na documentação de tudo que você faz individualmente. Sua tranquilidade financeira depende tanto da sua habilidade clínica quanto da sua proteção jurídica.

Conversa com quem entende de seguros pra médicos e avalia se a proteção que você tem hoje é suficiente pra sua realidade de sociedade. Quanto antes você descobrir os pontos fracos, mais fácil e barato fica pra resolver.